quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Oitava elegia

Após abordar a metamorfose que o homem faz a cada dia, o autor agora nos fala das perdas e descobertas que fazemos durante esse processo e o que nos distancia dos animais.
“Com todos os seus olhos, a criatura vê o Aberto. Nosso olhar, porém, foi revertido e como armadilha se oculta em torno do livre caminho. O que está além, pressentimos apenas na expressão do animal; pois desde a infância desviamos o olhar para atrás e o espaço livre perdemos, ah, esse espaço profundo que há na face do animal. Isento de morte. Nós, só vemos morte”. E, por medo dela, esquecemos de viver! O medo nos paralisa...
O homem se afasta cada vez mais do seu lado animal! Sempre nos detemos a regras, normas, comportamentos, e nos afastamos de tudo o que considerado natural, sob o pretexto (e o medo) de não ser desenvolvido o suficiente para ocupar um status que almejamos ter, ou que nos é traçado por outros (sem mesmo nos perguntar o queremos, realmente! Os pais são ótimos nisso!)...
Estamos sempre muito ocupados, nunca temos tempo para coisas “desimportantes” e “ignoramos o que é contemplar um dia, somente um dia o espaço puro, onde, sem cessar, as flores desabrocham”, temos sempre para onde ir, o que fazer e uma resposta pronta para tudo! Quer dizer, pelo esperam que tenhamos tudo isso... Resultados da sociabilidade...
Sendo assim, como acreditar na existência de Deus, quando sua presença vai de encontro a escolha que os homens podem fazer a cada instante? Além do que, acreditar Nele é admitir um lado irracional e natural que tanto tentamos nos distanciar...
A mudança, qualidade de quem possui o livre-artíbrio, traz consigo medo e estranhamento: “tudo aqui é distância – lá era alento. Depois da primeira pátria, como parece a segunda incerta e sem abrigo! Bem-aventurada a pequena criatura que sempre permanece no seio que a criou”. Viver racionalmente requer certos riscos...
“E nós: espectadores em tudo e sempre, voltados para tudo, nunca de fora. Saciados, ordenamos. Mas tudo se desfaz. Novamente insistimos e nós mesmos passamos”. Somos tão fugazes e mesmo assim deixamos que o tempo nos escorra pelas mãos... Excepcionalmente, vou concluir com um clichê: “a vida é curta para ser pequena!”
Os clichês às vezes têm tanta sabedoria...

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Sétima elegia

Em busca de um amparo, desejamos “não, não mais buscar: que seja esta, voz da madurez, a essência do teu grito. Gritaste, em verdade, com a pureza do pássaro, quando erguido pela estação que ascende, quase esquece que é um ser desamparado, coração solitário lançado às alturas, na intimidade do céu”. O vôo sempre sem destino, algumas vezes rumo ao alto, outras tantas findadas a queda...
Durante toda a vida estamos em constante transformação – metamorfose -, dificilmente vamos dormir à noite da mesma maneira que acordamos pela manhã! Distintas situações (e pessoas) nos tornam diferentes, positiva ou negativamente, durante a jornada.
Somos eternos aprendizes! Caminhamos sempre por caminhos desconhecidos, e, nada conhecemos em sua totalidade (nem a nós mesmos!), porém “uma simples coisa aqui percebida valerá o infinito”. Mas, o que será ela? Alguém a possui? Serão essas mais perguntas sem respostas?
Nada é eterno e insensível as mudanças do tempo, porém “cada um de nós conheceu uma hora, talvez menos de uma hora inteira – duração esquiva às medidas do tempo, entre dois instantes – em que realmente existiu com plenitude”. E, nesse instante somos felizes! E, queremos, como toda a nossa força, que esse tempo não passe e que essa emoção se perpetue por toda a eternidade! Mas, não só isso! Queremos que o mundo saiba o quanto estamos felizes, e, algumas vezes, essa sensação é percebida pelos demais à nossa volta, mesmo quando nenhuma palavra sobre o assunto seja dita (mas, quem sabe um sorriso, um brilho no olhar ou uma música murmurada nos denuncie?)!
“Nossa vida transcorre na metamorfose: sempre decrescendo, o exterior desaparece. Onde havia outrora uma casa estável, ergue-se uma estrutura imaginária, atravessada, como que erigida em nosso cérebro”. A medida que nos transformamos, e crescemos, o mundo deixa de ser desconhecido e tão grande, porque dentro de nós, ele também faz morada – o homem é até mesmo capaz de atrair “para si as estrelas, deslocando-as da fixidez dos céus”!
A nossa grandeza minimiza a função confortadora do Anjo, “assim, pois não malogramos os pródigos espaços, os espaços que são nossos! (Que imensos devem ser, pois séculos do nosso sentimento não o esgotam!) Mas uma torre era alta. Ó Anjo, não o era até mesmo ao teu lado?”
Mesmo quando somos igualados (através do júbilo), a este ser celestial, ele é sempre distante e indiferente aos apelos humanos em busca de acalento e proteção. “Um abraço estendido é meu chamado. E a mão que ávida se espalma para o alto fica diante de ti, ó Inapreensível, como defesa e advertência, amplamente aberta!"

Sexta elegia

A sexta elegia é a mais curta de todas e, trata de algo que a maioria de nós, não sabe controlar: o tempo! O dia tem 24 horas, o mês 30 dias e o ano 365 amanheceres e pôres-de-sol! Falando assim parece uma eternidade, mas, hoje faltam um pouco mais de 2 meses para que 2010 deixe de ser presente e se torne passado... Ainda ontem éramos crianças ansiosos por novidades, ou então, adolescentes rebeldes e questionadores... Ah, doces tempos!
Nunca estamos, completamente, no tempo presente, e sim, rememorando o passado ou então fazendo planos para o futuro, seja ele próximo ou distante (“Figueira, há muito que te vejo esquecer quase inteiramente a floração, precipitando no fruto prematuro, incompreendido, teu puro segredo”). E, quando nos damos conta, podemos estar prestes a colher “o fruto derradeiro”, sem perceber os estágios que o antecederam: as flores, o amadurecimento, as aves em volta e o doce sumo da fruta madura.
Poucos são os que gozaram todos os estágios sem ansiar pelo próximo, e somente os heróis e os que morreram jovens são perdoados por tal desatenção. Os últimos porque a própria vida lhes tirou essa oportunidade e, os primeiros porque “sua existência é ascensão: eleva-se incansável, e penetra nas constelações mutáveis do perigo à espreita”. E, além de viver intensamente, “o herói percorre as estações do amor, e cada pulsar de um coração ardente o impele às alturas com mais força. Alheado, porém, ele é outro, ao termo dos sorrisos”.

domingo, 24 de outubro de 2010

Quinta elegia

Meio caminho andando! E até agora, a quinta elegia, das Elegias de Duíno, foi a que mais me intrigou! Na primeira leitura não consegui compreender o que o poeta queria dizer e, confesso, tive vontade de desistir dessa brincadeira (às vezes a fuga é tão mais fácil!), mas, relutei e li atentamente o comentário em anexo e, descobri que a pista que tanto procurava estava no quadro Les Saltimbanques de Pablo Picasso (figura abaixo), que foi a fonte de inspiração de Rilke nesse texto.
Logo no início, pude notar uma analogia (estarei certa?) entre a atividade desses artistas e a própria vida: “ela os torce, curva-os, entretece-os, vibra-os, atira-os e os toma de volta!” E, eles têm que ser fortes, apesar dos percalços do caminho, em que “a rosa do contemplar: floresce e desfolha” aos olhos do público, que a tudo observa e comenta.
Rilke fala, a partir de metáforas, sobre cada uma das personagens da gravura: o menino carente de amor materno, o velho que habita num corpo outrora pertencente a um homem que não mais vive (será que as mazelas do caminho foram responsáveis por sua morte?), o homem jovem – “retesado e vigoroso, cheio de músculos e de simplicidade” -, o jovem imaturo, que também anseia o amor de mãe, detentor do “corpo que dissipa, leviano, a expressão tímida e incompleta...”. Além da mãe, sempre distraída até mesmo para dar atenção e carinho aos filhos, e a menina de franjas: “esquecida no silêncio das alegrias vivas e apressadas”.
Nessa imagem também há a figura invisível do Anjo, que, nessa hora, encontra-se um pouco mais sensível as dores humanas, porém, mais uma vez distante e superior. Mas, porque os anjos se preocupariam com os artistas, uma vez que seus próprios expectadores não se preocupam com eles, enquanto seres humanos, somente os enxergam enquanto espetáculo, apenas mais um espetáculo nas praças de Paris, ou de qualquer outra parte do mundo?
“E estes arrojariam suas últimas, sempre poupadas, sempre ocultas, desconhecidas moedas de felicidade para sempre válidas, diante do par verdadeiramente sorridente, sobre o tapete apaziguado”.

PS: Como eu disse acima, no texto, essa foi a elegia que mais me assustou, em relação a incompreensão inicial das palavras do poeta, entretanto, após esmiuçar os versos, vi que o problema estava em mim, ou pelo menos na minha ânsia de buscar respostas para perguntas que, nem eu mesma sei, se existem! Buscava algo demasiadamente complexo, enquanto que o que eu tinha sob os olhos era uma belíssima descrição de uma cena corriqueira e simples. Mas, há tanta beleza em situações ordinárias, que de tão comuns parecem completamente estranhas e nos fazem pensar em desistir!

Quinta elegia (Les Saltimbanques, Pablo Picasso)

sábado, 23 de outubro de 2010

Quarta elegia

A quarta elegia aborda uma sensação que atormenta os mortais, impendindo-os, algumas vezes, de prosseguir, de conquistar novas coisas, novos horizontes, novas emoções...
Desconhecemos a resposta da principal pergunta que fazemos, pelo menos uma vez, na vida: como será o FUTURO? Levando em consideração que, pouco menos de um segundo após escrever essa questão já pode ser considerado FUTURO, visto que ele não me pertencia no momento da sua elaboração.
O FUTURO nos escorre pelas mãos, sem nos darmos conta de sua chegada! “Oh, dias da infância, em que atrás das figuras havia mais do que passado e em que diante de nós não se abria o futuro! Crescíamos, é certo, aspirando, às vezes, tornar-nos grandes, talvez por amor daqueles que nada mais tinham, senão o ‘ser grandes’”. Mas, será chegamos a crescer, ou, pelo menos, somos grandes?
Nós “não somos lúcidos como as aves migradoras. Precipitados ou vagarosos nos impomos repentinamente aos ventos e tornamos a cair num lago indiferente. Conhecemos igualmente o florescer e o murchar”. Nos banhamos, durante toda a nossa existência, nas águas da incerteza, não sabemos de onde viemos e nem para onde, e como, vamos! Muito menos conhecemos nossos companheiros de jornada, mesmo aqueles responsáveis pelos mais longos suspiros, pelas mais tenras lágrimas, pelas mais doces palavras... Na realidade, nem mesmo nos conhecemos...
“Olhai: ergue-se o pano sobre o cenário de um adeus”. Tudo é um espetáculo! Mas qual é o roteiro a ser seguido? Quem são os atores? Sobre o que trata a peça? “Só então aparece o bailarino. Ele não. Basta. E enquanto se move com desenvoltura, muda de aspecto; torna-se um burguês e entra pela porta da cozinha”. Mas, eu “não quero essas máscaras ocas, prefiro o boneco de corpo cheio”, a vida é breve demais para apresentações sem intensidade, sem emoção, sem brilho, sem enredo! Pelo menos até o momento em que as luzes são apagadas e nos despedimos do público... “Mas isto: conter a morte, toda a morte, ainda antes da vida, tão docemente contê-la e não ser perverso, isto é inefável”.

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

Terceira elegia

A terceira elegia aborda o amor, nas suas mais diversas manifestações: o amor platônico, o amor carnal, o amor correspondido, o amor romântico, o amor fraterno... Mas, sempre o amor! Emoção que, apesar de ser individual - no corpo de cada pessoa - une dois, ou mais, seres! Com ele, o mundo ganha um novo sentido, os dias são vividos de outra forma e as coisas adquirem novos significados! Amar é muito bom, mas tão importante é ser amado! O amor ideal é aquele em que há uma troca entre os amantes, tal como uma via de mão-dupla!
Há uma clara distinção entre a exaltação do ser amado e as razões para que essa emoção exista, é válido lembrar que ela, algumas vezes, passa longe do racional e, outras “tantas vezes o assaltava em plena solidão, antes que a mulher amada o abrandasse, como se nem mesmo ela existisse”. A noite, tempo de silêncios e delírios oníricos, demora de passar e tudo observado lembra o objeto de seu desejo (“ouve como a noite se escava e se esvazia”), e o pensamento voa para longe (“quem assim distendeu o arco espectante de suas sobrancelhas”)...
O amor não é fácil de ser descoberto, e após uma demorada brincadeira infantil de esconde-esconde ele, tal como uma criança birrenta, “abrandado, habitua-se à intimidade do teu coração e toma e se inicia”. Não há momento para ser iniciado, e muito menos, um instante exato para ir embora! Muitos de nós, já nascemos num meio impregnado por ele e aprendemos a usá-lo, a demonstrá-lo, a senti-lo e a retribuí-lo! E, aos poucos, tudo se torna mais fácil, ou pelo menos, menos estranho: “tantas coisas assim dissimulaste: a escuridão suspeita do quarto, tornaste inofensiva; de teu coração, refúgio pleno, um espaço mais humano retiraste, para uni-lo ao espaço de suas noites. Não nas trevas, mas em tua presença mais próxima pousaste a luz noturna, como luz de amizade. Nenhum ruído que não explicasses, sorrindo, como se há muito soubesses quando o pavimento assim se comportava. E ele ouvia, apaziguado, tal era o poder da tua suave permanência. Atrás do armário se ocultava, num manto enorme, seu destino e as desordenadas linhas do futuro inquieto, às dobras da cortina se amoldavam”.
O ser amado, e amante, é confortador, seguro e acalenta. O amor estimula a entrega, uma vez que, a confiança é sua companheira fiel (“como ele se entregava! Amava.”)! O amor é eterno (pelo menos enquanto dure, já alertou outro poeta) e intenso, posto que “não amamos como as flores, depois de uma estação; circula em nossos braços, quando amamos, a seiva imemorial”.
Não devemos amar com reservas, ressalvas e medos, devemos simplesmente amar! Sem tempos, medos, causas, razões, justificativas... O que seria da vida sem o amor? O que seríamos de nós sem amar e sem sermos amados? Tudo se tornaria tão vago como as noites sem estrelas, é necessário “a paz dos jardins e o contrapeso das noites... Retém-no...”

Segunda elegia

Após escrever a primeira elegia, senti-me instigada para ler a segunda e tentar interpretá-la; na realidade, o texto em sim me empolga menos do que a satisfação de torná-lo conhecido, traduzido e mais próximo da nossa realidade (da minha, pelo menos, uma vez que é através de meus olhares que ele é destrinchado e escrito aqui). Desafios me inquietam, e, definitivamente, Rilke é um dos grandes!
Mais um ritual se inicia: a primeira leitura do texto, uma olhada nos comentários e, por fim, uma observação mais amiúde e profunda das palavras (e metáforas) do autor.
“Todo Anjo é terrível”. É com essa afirmação que a segunda elegia é iniciada, e, mais uma vez, o autor aborda sobre a fragilidade e a ausência de quem recorrer nos momentos mais difíceis da existência humana.
Os anjos, seres eternos, vivem distante dos homens, em um lugar próprio, e são capazes de destruir o coração dos mortais, que por sua vez, vivem intensamente cada momento de suas vidas, certos de que não terão toda a eternidade para gozá-la (“O sentir em nós, ai, é o dissipar-se – exalemos nosso ser; e de uma a outra ardência nos desvanecemos. Algumas vezes nos dizem: 'circulas no meu sangue, êste quarto, a primavera, estão cheios de ti'”).
Tudo o que pertence ao homem é fugaz: a beleza, as sensações, o alimento, as emoções, os amores, a própria vida... Tudo acaba com o passar do tempo, nada levamos quando nos despedimos da carne, nem mesmo as lembranças mais íntimas... Porém as coisas permanecem, mesmo sem a nossa presença, elas perduram (“Olhai, as árvores são; as casas que habitamos, resistem. Somente nós passamos, permuta aérea, em face de tudo”)... Os anjos, entretanto, não notam que também apresentam traços humanos (“Eles porém nada percebem, no turbilhão da volta a si mesmos”)...
Os amantes bastam a si mesmos, um existe na presença do outro. E, em relação a isso, qual é o segredo desses corpos? Posto que o auto-reconhecimento é difícil, e, nos raros momentos em que ele se faz presente, acusa uma “certa consciência de mim mesmo”. Mas, os amantes... “bem-aventurado é o vosso contato, pois as carícias sutilmente protegem, retêm a duração pura; e o amplexo, não vos promete quase a eternidade?” Serão esses vossos segredos? O esquecimento de seus próprios corpos individuais, e egoístas, para a lembrança, e completude, nos braços do ser amado, quando, enfim, a existência adquire sentido.
Por fim, tanto no amor quanto no adeus os homens se aproximam dos seres divinos, “pois nosso coração nos ultrapassa ainda como outrora e é impossível saciá-lo em figuras apaziguantes, ou em corpos divinos que, imensos, o moderam”.

quinta-feira, 21 de outubro de 2010

Primeira elegia

Antes de começar a ler as Elegias de Duíno, de Rainer Maria Rilke, confesso que não estava acreditando que um livro pudesse ser tão complicado quanto a imagem que me foi passada, na realidade ainda vivia em mim uma certa esperança, que deu seu último suspiro já no primeiro verso.
“Quem, se eu gritasse, entre as legiões dos Anjos me ouviria?” É dessa forma desesperada que se inicia a primeira elegia, e, acredite, a intensidade só faz aumentar com o passar das linhas... Resolvi, sem nenhuma resistência, ler os comentários expostos na segunda parte do livro (nunca li nenhum livro que tivesse explicação em anexo! Sempre achei que a interpretação fosse subjetiva, mas nesse caso, tive que rever meus conceitos, uma vez que a “interpretação subjetiva” poderia passar, num piscar de olhos, para “interpretação inexistente”!). O adendo sobre essa elegia aborda a relação, ora próxima, ora distante, do autor com Deus (ah, isso começa a clarear muita coisa!).
Bem, a provocação foi feita e aceita, vamos à interpretação!
Rilke inicia, como já foi dito, com um apelo desesperado e desacreditado da presença de Deus e da bondade dos anjos (criaturas divinas que vivem próximas de nós, nos auxiliando quando necessário): “todo Anjo é terrível.” E, se os anjos que deveriam nos amparar e socorrer querem nos prejudicar, em que mais acreditar (“E eu me contenho, pois, e reprimo o apêlo do meu soluço obscuro”)?
As palavras de ordem são a solidão e as incertezas. Os únicos amparos são o familiar e o vivido, isto porque nos são demasiadamente conhecidos, e não traz consigo nenhuma novidade (nem boa, nem má) : “Ai, quem nos poderia valer? Nem Anjos, nem homens e o intuitivo animal logo adverte que para nós não há amparo neste mundo definido. Resta-nos, quem sabe, a árvore de alguma colina, que podemos rever cada dia; resta-nos a rua de ontem e o apêgo cotidiano de algum hábito que se afeiçoou a nós e permaneceu”. E a noite é ainda mais cruel...
As coisas só são percebidas (e, por conseguinte, existem) a partir dos olhos de um observador, e assim, elas podem ser belas ou trágicas, importantes ou fugazes... Para serem reais são necessários um olhar atento e questionador, e uma interpretação (eficaz ou não). Em contrapartida, para não existirem apenas a distração é necessária, ou seja o “não-ver”... E nele, moram os pensamento vagos que não levam a lugar algum...
O amor aprisiona e esgota as forças, enquanto que a luta liberta e faz renascer, mesmo após a queda. Talvez, porque a luta depende de um só, enquanto o amor envolve mais de um (“Não é tempo daqueles que amam libertar-se do objeto amado e superá-lo, frementes? Assim a flecha ultrapassa a corda, para ser no vôo mais do que ela mesma. Pois em alguma parte se detém”), e temos que lembrar que no momento de dor não temos mais a quem recorrer, posto que já não há Anjos bondosos, nem homens...
Não há mais para quem gritar, os santos de outrora não são mais chamados e somente o silêncio ecoa, mas é preciso escutar os rumores dos jovens mortos, mesmo que seja através do silêncio, mas quantos ouvem o silêncio? A ausência do som que deveria libertar, aprisiona cada vez mais... Enquanto os mortos se sentem mais perdidos do que os vivos, porque a eles já não restam nem a familiaridade das coisas e, muito menos, as lembranças e as sensações do vivido...
Os que morrem mais cedo sofrem menos, por não terem tido tempo de aprender coisas que mais tarde sentirão falta... já para aqueles que persistem na terra, restam-nos a herança de Linus (“No espaço que ele abandonava, jovem, quase deus, pela primeira vez o vácuo estremeceu em vibrações – que hoje nos trazem êxtase, consolo e amparo”): a música - atemporal, amorfa e tremendamente familiar e confortante.

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Pôres-do-sol II (2010)

Na praia
Na caatinga II
Na caatinga III
Na caatinga IV
No céu

Pôres-do-sol (2010)

Na praia

Na caatinga
Na cidade

No rio

Eu apenas queria que você soubesse (Gonzaguinha)

Eu apenas queria que você soubesse
Que aquela alegria ainda está comigo
E que a minha ternura não ficou na estrada
Não ficou no tempo presa na poeira

Eu apenas queria que você soubesse
Que esta menina hoje é uma mulher
E que esta mulher é uma menina
Que colheu seu fruto flor do seu carinho

Eu apenas queria dizer a todo mundo que me gosta
Que hoje eu me gosto muito mais
Porque me entendo muito mais também

E que a atitude de recomeçar é todo dia toda hora
É se respeitar na sua força e fé
E se olhar bem fundo até o dedão do pé

Eu apenas queira que você soubesse
Que essa criança brinca nesta roda
E não teme o corte de novas feridas
Pois tem a saúde que aprendeu com a vida

Eu apenas queria que você soubesse
Que aquela alegria ainda está comigo
E que a minha ternura não ficou na estrada
Não ficou no tempo presa na poeira

Eu apenas queria que você soubesse
Que esta menina hoje é uma mulher
E que esta mulher é uma menina
Que colheu seu fruto flor do seu carinho

Eu apenas queria dizer a todo mundo que me gosta
Que hoje eu me gosto muito mais
Porque me entendo muito mais também