quinta-feira, 19 de agosto de 2010

Comer e festejar

A alimentação e a diversão são duas atividades básicas para a manutenção da saúde psíquica e física de toda pessoa. Ambas são revestidas de aspectos simbólicos que podem, tanto estreitar quanto afrouxar, a convivência em sociedade. Se pensarmos, por exemplo, em algumas situações cotidianas podemos perceber a complexidade que envolve estes dois pólos, assim como analisar a forma que, em algumas situações, eles se confundem a ponto de ser tornarem um só.

Se eu sugerir que façamos uma festa, logo surgirão os “itens” que são “indispensáveis” a uma comemoração, pelo menos em nossa sociedade, entre eles estarão presentes: os convidados, a música, a bebida e a comida! Da mesma forma, quando assistimos, uma nova receita na televisão ou quando descobrimos um restaurante muito bom, qual a primeira coisa que nos vem à cabeça? Possivelmente, a imagem de uma(s) pessoa(s) que gostamos muito para compartilhar a comida conosco. Em suma, o momento da refeição pode virar uma festa, no sentido da alegria, da conversa, do sentimento que une os comensais ao redor da mesa, da mesma forma que uma festa pode virar uma tragédia se a comida servida não for boa ou não for suficiente para todos os convidados.

Existe uma forte relação entre atração e repulsa em relação ao que comemos. Apesar de sermos classificados como onívoros – aqueles capazes de ingerir qualquer tipo de alimento, seja ele de origem vegetal ou animal -, nós somos seletivos em relação ao que comemos. É uma falácia afirmar que comemos tudo! Comemos o que nos ensinaram a comer! E, este aprendizado começou desde que nascemos quando as pessoas que nos rodeavam disseram, ou estimularam, o que comer e o que não comer. Somos enfeitiçados por cores, formas, texturas, odores e, por fim, sabores. Dificilmente alguém chegará a este último estágio de deglutição se não foi encantado pelos anteriores. Diante uma primeira experiência, de quase nada irá adiantar ter um sabor maravilhoso se o cheiro durante o preparo indicar o contrário - que o diga o cheiro das vísceras cozinhando durante o preparo do sarapatel, arg! Este prato, em especial, ainda tem o agravante de ter uma aparência um “pouco exótica”, mas depois de cozido, com um pouco de pimenta e farinha, não há quem não esqueça do preparo! Algumas pessoas, como eu, por exemplo, tentam contornar este preparo “fatídico” com a desculpa de: “ só como feito por tal pessoa, em tal lugar”, como se os ingredientes e o cheiros não continuassem os mesmos...

Vamos pensar um pouco na nossa vida! Proponho um recorte a partir do momento em que já pensamos ter um pouco de autonomia e agência de nossa própria vida: fim da adolescência (período em que as meninas já passaram pela Festa de 15 anos e os meninos a tal “maioridade”, que de fato pouca coisa muda)! Quando acabamos o ensino médio o que a maioria dos colégios (independente de ser público ou particular) propõe? Sim, uma festa de formatura, ou uma festa de encerramento. Entramos na faculdade, inicia um período em que os estudantes freqüentam mais as festas do que a própria sala de aula, isso sem considerar os casos em que a aula é sucedida– ou antecedida - por uma festa (que saudade desse tempo!!!)! Formamos-nos, então o que acontece? Festa. Encontramos nossa “outra metade”, que, lógico, acreditamos ser para sempre, queremos gritar para o mundo o quanto estamos felizes, o que fazemos? Sim, uma festa! Se estivermos errados, temos que buscar a “outra metade” em algum lugar, e é muito pouco provável que seja com o carinha da padaria (até porque ele tem uma visão peculiar da gente: de manhã cedo – ou depois de um dia cansativo -, despenteadas, com olheiras...), da farmácia (que o visual não difere muito do da padaria) ou do mercadinho perto de casa (que sempre vamos correndo no meio de uma emergência); o melhor lugar é numa festa! Neste caso, é necessário englobar shows, bares e jantares na casa de amigos. Mas, se estivermos certos, fazemos uma festa para nossos amigos e familiares avisando que a busca acabou e que a união seja eterna enquanto dure! Ordem natural: chá de casa nova, festa para apresentar a casa, chá de bebê, batizado, dia das mães, dia dos pais, natal, primeiro aniversário, segundo aniversário, terceiro, quarto, 15 anos, primeira comunhão... Isso sem contar outras datas importantíssimas que são comemoradas como, por exemplo, o primeiro passo, o primeiro dente, o primeiro dia na escola, a menarca... E o ciclo se renova...

A comida e a festa convergem em muitos outros pontos, uma vez que, da mesma forma que ninguém convida um inimigo para uma festa, também não o chama para dividir a mesa. Assim como a festa pode fazer com que os sentidos sejam aguçados, uma refeição também tem o mesmo poder! De forma semelhante, a festa não tem que ter, necessariamente, uma origem estanque, ela pertence ao povo e ele pode “reinventá-la” (seja em seu caráter religioso, étnico ou identitário), assim como a receita não é fixa, cada cozinheiro pode acrescentar ou retirar ingredientes, desde que mantenha a base (essência da receita).

Desafio a atirar a primeira pedra quem, assim como na alimentação, também não foi influenciado a participar, ou a evitar, certas festas por sua família e amigos mais próximos, além é claro do gosto musical, mas isso é uma outra história!

E por fim, ambos são deleites para o nosso corpo tão cansado de guerra e são ótimos, além de ser necessário, que andem juntos!

Um comentário:

  1. Que texto criativo, viajei "horrores". Muito bom mesmo. Tu vai longe com tua antropologia da alimentação!!
    Beijo!!!

    ResponderExcluir