quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

Notas de uma antropóloga

Era somente mais um dia e sua única companhia era o tédio! Nada se movia ao seu redor, nem mesmo o ar, uma vez que a temperatura parecia estar mais alta do que qualquer outro dia do ano... Através do olhar de um observador mais atento, é possível perceber que ela não estava sozinha com o tédio, a bagunça também estava a confabular consigo! Mas, só era possível encontrá-la dentro de sua cabeça: os pensamentos iam e vinham, as idéias surgiam e desapareciam numa velocidade impressionante e as coisas se conectavam e se perdiam antes mesmo que a lógica se fizesse presente!
E assim, as horas lhes escorreram entre os dedos e, sem qualquer noção temporal, sentiu fome! Parou, olhou para o relógio e concluiu que não dava mais tempo de pôr em prática sua mais recente descoberta: ela sabia cozinhar! Não chegava a ser algo excepcional, na realidade, não era! Mas, como ela mesma me disse certa vez: "minha comida é altamente comível!" (tive que resistir ao trocadinho, não seria ela, na verdade, "horrível"?) A fome faz milagres! E, como esta já era de uma intensidade respeitável, ela saiu em busca de algo para se alimentar, depois de uma intensa busca pelas prateleiras do supermercado, seus olhos ganharam um brilho mais intenso ao ler as seguintes palavras em uma caixa:
"Tudo bem, você adora a praticidade. Mas, o cheiro bom de uma refeição quentinha leva você para junto das melhores lembranças. Amor de mãe, talento da avó, tudo fresquinho e com aquele gosto inconfundível."
Não conseguiu resistir e levou pra casa! Leu, atentamente, as instruções de preparo (quase 40 minutos no forno convencional e 6 minutos - apenas! - no forno de microondas) e optou pelo meio mais rápido e prático (paciência nunca foi sua principal virtude)! Após o tempo especificado pelo fabricante, passou a comer sua porção de Penne ao molho parisiense, buscando encontrar tudo aquilo que a descrição da caixa lhe prometera, mas sua busca foi em vão! Quer dizer, mais ou menos, de fato, como me disse, a comida estava verdadeiramente quente e o gosto era inconfundível: gosto de comida industrializada!
Apesar da frustração de não conseguir encontrar nenhuma referência a sua origem familiar em relação aos temperos de sua mãe ou avó (que um dia, se fizesse sua lição de casa direitinho, também seria muito parecido com o seu) estava livre da fome e apta para retornar aos seus afazeres, sem sequer se indagar (o que poderia se esperar dela) sobre o alimento (?) que acabara de ingerir, afinal, que importância tem isso? Ainda mais se nos lembrarmos que estamos acostumados a comprar felicidade, bem-estar e prazer!

Um comentário:

  1. Gostei muito do texto , realmente , estamos muito acustumados.
    Senti sua falta um dia desses , umas das melhores professoras que tive , beijos , saudades;

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