"As coisas em geral não são tão fáceis de apreender e dizer como normalmente nos querem levar a acreditar; a maioria dos acontecimentos é indizível, realiza-se em um espaço que nunca uma palavra penetrou" (Rilke)
sexta-feira, 20 de maio de 2011
Solón, o coração iluminado (Parte II)
Carrera, um povoado imaginário, contido na América do Sul, que poderia estar no Brasil, guarda uma sociedade tradicional, hierarquizada e pessoalizada, onde todos têm a oportunidade de se conhecer e ocupar posições definidas. Uma ordem comunitária, sem grandes transformações, com sua específica noção de tempo, onde se perguntava o que fazer dos dias; como uma família, segmentada, é verdade, pautada nas tradições, violência e distinções que estabelecem quem tem o poder, contudo, unida por laços de submissão e lealdades (clientelismo), omissões e conveniências. A autora, à Nestor Duarte, decompõe o antigo poder político, mostrando a força do patronato, do caudilhismo imperante nas Américas menos afortunadas, a ordem privada que, no seu domínio, constrange e subordina os homens livres. Mostra a vida dos poderosos locais, seu encastelamento solitário, e a emergência da nova geração de privilegiadas (concentra-se nelas), que na sua insipidez existencial, marcam a sua distinção e arrogância, uma continuidade do mandonismo e, muitas vezes crueldade, da geração que iria substituir no poder. Sólon, por sua beleza e comportamento altivo, se tornará o “brinquedo exótico”, o “animal adestrado do circo”, dos seus desejos recolhidos. Sob outro plano tratará dos despossuídos, dos oprimidos, das classes populares, atentando para a sua riqueza existencial, contida numa vida comunitária, plena de sociabilidades, mistérios, aventuras e amores. A Taberna de España, como palco maior da vida boêmia do povoado, onde nas canecas velhas cheias de vinho tinto, transbordava a música, a dança, os amores fugidios, o sonho de felicidade. Maniqueísmo da autora? Talvez sim. E por que não? O certo é a força da sua narrativa, a forma como constrói os seus personagens. E eles vão aparecendo: os emigrantes apaixonados de Espanha; Dona Clotilde e suas “prendadas” alunas; Rachel, desde cedo diferenciada, a caminho do feminismo; a feiticeira índia Uiá; a senhora Etelvina, com seus filhos imbecis e sobrinhos loucos, no seu eterno leito de morte; as estórias e os desenlaces do Comendador Ortiz e do Juiz Miranda e de suas famílias, o enigmático e sofrido Mário Rossano; a doce e infeliz Alicia.
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