Antes de começar a ler as Elegias de Duíno, de Rainer Maria Rilke, confesso que não estava acreditando que um livro pudesse ser tão complicado quanto a imagem que me foi passada, na realidade ainda vivia em mim uma certa esperança, que deu seu último suspiro já no primeiro verso.
“Quem, se eu gritasse, entre as legiões dos Anjos me ouviria?” É dessa forma desesperada que se inicia a primeira elegia, e, acredite, a intensidade só faz aumentar com o passar das linhas... Resolvi, sem nenhuma resistência, ler os comentários expostos na segunda parte do livro (nunca li nenhum livro que tivesse explicação em anexo! Sempre achei que a interpretação fosse subjetiva, mas nesse caso, tive que rever meus conceitos, uma vez que a “interpretação subjetiva” poderia passar, num piscar de olhos, para “interpretação inexistente”!). O adendo sobre essa elegia aborda a relação, ora próxima, ora distante, do autor com Deus (ah, isso começa a clarear muita coisa!).
Bem, a provocação foi feita e aceita, vamos à interpretação!
Rilke inicia, como já foi dito, com um apelo desesperado e desacreditado da presença de Deus e da bondade dos anjos (criaturas divinas que vivem próximas de nós, nos auxiliando quando necessário): “todo Anjo é terrível.” E, se os anjos que deveriam nos amparar e socorrer querem nos prejudicar, em que mais acreditar (“E eu me contenho, pois, e reprimo o apêlo do meu soluço obscuro”)?
As palavras de ordem são a solidão e as incertezas. Os únicos amparos são o familiar e o vivido, isto porque nos são demasiadamente conhecidos, e não traz consigo nenhuma novidade (nem boa, nem má) : “Ai, quem nos poderia valer? Nem Anjos, nem homens e o intuitivo animal logo adverte que para nós não há amparo neste mundo definido. Resta-nos, quem sabe, a árvore de alguma colina, que podemos rever cada dia; resta-nos a rua de ontem e o apêgo cotidiano de algum hábito que se afeiçoou a nós e permaneceu”. E a noite é ainda mais cruel...
As coisas só são percebidas (e, por conseguinte, existem) a partir dos olhos de um observador, e assim, elas podem ser belas ou trágicas, importantes ou fugazes... Para serem reais são necessários um olhar atento e questionador, e uma interpretação (eficaz ou não). Em contrapartida, para não existirem apenas a distração é necessária, ou seja o “não-ver”... E nele, moram os pensamento vagos que não levam a lugar algum...
O amor aprisiona e esgota as forças, enquanto que a luta liberta e faz renascer, mesmo após a queda. Talvez, porque a luta depende de um só, enquanto o amor envolve mais de um (“Não é tempo daqueles que amam libertar-se do objeto amado e superá-lo, frementes? Assim a flecha ultrapassa a corda, para ser no vôo mais do que ela mesma. Pois em alguma parte se detém”), e temos que lembrar que no momento de dor não temos mais a quem recorrer, posto que já não há Anjos bondosos, nem homens...
Não há mais para quem gritar, os santos de outrora não são mais chamados e somente o silêncio ecoa, mas é preciso escutar os rumores dos jovens mortos, mesmo que seja através do silêncio, mas quantos ouvem o silêncio? A ausência do som que deveria libertar, aprisiona cada vez mais... Enquanto os mortos se sentem mais perdidos do que os vivos, porque a eles já não restam nem a familiaridade das coisas e, muito menos, as lembranças e as sensações do vivido...
Os que morrem mais cedo sofrem menos, por não terem tido tempo de aprender coisas que mais tarde sentirão falta... já para aqueles que persistem na terra, restam-nos a herança de Linus (“No espaço que ele abandonava, jovem, quase deus, pela primeira vez o vácuo estremeceu em vibrações – que hoje nos trazem êxtase, consolo e amparo”): a música - atemporal, amorfa e tremendamente familiar e confortante.
Em breve (se possível amanhã) a segunda elegia!
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