sexta-feira, 22 de outubro de 2010

Segunda elegia

Após escrever a primeira elegia, senti-me instigada para ler a segunda e tentar interpretá-la; na realidade, o texto em sim me empolga menos do que a satisfação de torná-lo conhecido, traduzido e mais próximo da nossa realidade (da minha, pelo menos, uma vez que é através de meus olhares que ele é destrinchado e escrito aqui). Desafios me inquietam, e, definitivamente, Rilke é um dos grandes!
Mais um ritual se inicia: a primeira leitura do texto, uma olhada nos comentários e, por fim, uma observação mais amiúde e profunda das palavras (e metáforas) do autor.
“Todo Anjo é terrível”. É com essa afirmação que a segunda elegia é iniciada, e, mais uma vez, o autor aborda sobre a fragilidade e a ausência de quem recorrer nos momentos mais difíceis da existência humana.
Os anjos, seres eternos, vivem distante dos homens, em um lugar próprio, e são capazes de destruir o coração dos mortais, que por sua vez, vivem intensamente cada momento de suas vidas, certos de que não terão toda a eternidade para gozá-la (“O sentir em nós, ai, é o dissipar-se – exalemos nosso ser; e de uma a outra ardência nos desvanecemos. Algumas vezes nos dizem: 'circulas no meu sangue, êste quarto, a primavera, estão cheios de ti'”).
Tudo o que pertence ao homem é fugaz: a beleza, as sensações, o alimento, as emoções, os amores, a própria vida... Tudo acaba com o passar do tempo, nada levamos quando nos despedimos da carne, nem mesmo as lembranças mais íntimas... Porém as coisas permanecem, mesmo sem a nossa presença, elas perduram (“Olhai, as árvores são; as casas que habitamos, resistem. Somente nós passamos, permuta aérea, em face de tudo”)... Os anjos, entretanto, não notam que também apresentam traços humanos (“Eles porém nada percebem, no turbilhão da volta a si mesmos”)...
Os amantes bastam a si mesmos, um existe na presença do outro. E, em relação a isso, qual é o segredo desses corpos? Posto que o auto-reconhecimento é difícil, e, nos raros momentos em que ele se faz presente, acusa uma “certa consciência de mim mesmo”. Mas, os amantes... “bem-aventurado é o vosso contato, pois as carícias sutilmente protegem, retêm a duração pura; e o amplexo, não vos promete quase a eternidade?” Serão esses vossos segredos? O esquecimento de seus próprios corpos individuais, e egoístas, para a lembrança, e completude, nos braços do ser amado, quando, enfim, a existência adquire sentido.
Por fim, tanto no amor quanto no adeus os homens se aproximam dos seres divinos, “pois nosso coração nos ultrapassa ainda como outrora e é impossível saciá-lo em figuras apaziguantes, ou em corpos divinos que, imensos, o moderam”.

2 comentários:

  1. De tudo o que já li teu, isso foi o melhor. Fantástico! adorei isso:“O sentir em nós, ai, é o dissipar-se – exalemos nosso ser; e de uma a outra ardência nos desvanecemos. Algumas vezes nos dizem: 'circulas no meu sangue, êste quarto, a primavera, estão cheios de ti'”).
    Beijossss

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